quinta-feira, 25 de setembro de 2014

A novela do “dinheirinho”

Meus distintos leitores podem tomar por verdade o conteúdo da nota oficial da Secretaria da Fazenda do Pará, divulgada hoje, ligar para o telefone do subsecretário Nilo Noronha e pedir-lhe a relação das 300 empresas que mais contribuem para a arrecadação estadual.
Segundo a nota, o que a legislação não permite é “a divulgação de informações econômico-fiscais e financeiras”. Ela não impede, porém, “a divulgação do ranking dos contribuintes, com as respectivas razões sociais”. Tanto que essa informação consta dos sites das secretarias da fazenda do Maranhão, Goiás e Amazonas, sustenta a nota, publicada apenas em O Liberal, como matéria editorial, mas não na forma legal de manifestação oficial da Sefa.
Esse ranking dos maiores contribuintes não está disponível no site da secretaria paraense nem parece acessível a qualquer dos mortais que se interesse por ele. Sequer os funcionários da fazenda paraense conhecem a relação. Se sua divulgação fosse assim risonha e franca, a filha do governador Simão Jatene, na condição de uma das gestoras do programa Pro Paz, podia ter requerido os dados por ofício.
Daria existência formal ao seu interesse de abordar empresas privadas para estimulá-las a contribuir para a formação de um fundo público. Esse fundo financiaria o programa que ela comanda, de interesse social, conforme a informação apregoada pelo jornal da família Maiorana, servindo mais uma vez de porta-voz para os donos do poder. Nem o governador nem sua filha mais velha deram declaração a respeito.
Por que as 300 empresas que mais pagam ICMS, a principal fonte de receita do Estado, e não as que mais faturam? Vale, Albrás, Alunorte, Alcoa e outras enormidades que extraem recursos naturais do Pará pagam pouco imposto, graças à lei Kandir, que as isentou por destinarem sua produção para a exportação. Essa lista está realmente disponível na internet e em publicações especiais, lançadas todos os anos por revistas de economia.
Esse cuidado pouparia Izabela Jatene de se tornar vítima da maledicência alheia. Muitos devem ter sido induzidos a pensar, da conversa dela com o subsecretário da Fazenda pedindo a relação, que essas empresas – das maiores, mas não exatamente as maiores – estariam mais sujeitas ao poder de “convencimento” da primogênita do governador.
A verossimilhança dessa dedução é ainda mais eficaz porque o pai dela se viu envolvido num processo judicial, como réu. Foi denunciado por se favorecer de uma transação entre intermediários e a fábrica de cerveja Cerpa (que é grande empresa, mas nem tanto – ou não na mesma proporção – no recolhimento de tributos). Ela ganharia desconto de 95% de ICMS se contribuísse para um fundo de campanha do PSDB, no primeiro mandato de Jatene (2003/2006). O processo ainda tramita pelo Superior Tribunal de Justiça. Esse tipo de contato entre um agente ou suposto intermediário do fisco e uma empresa sempre cheira a corrupção ou qualquer tipo de ilícito capitulável. Deve ser evitado.
É óbvio que o distinto leitor deste blog jamais conseguirá o que a filha do governador obteve. Se ela fosse apenas Izabela não chegaria ao secretário e, se chegasse, não arrancaria tão facilmente dele o ranking desejado. O servidor devia ter-lhe advertido, quando por nada mais, pelo menos porque a listagem exigiria trabalho de pesquisa e teria que ser precedida por certo formalismo para não ficar caracterizada – e ficou – como tráfico de influência de uma parte e descumprimento de dever funcional, de outra parte.
O aspecto administrativo e legal da história exige uma atitude mais positiva do que a de mandar informações para um jornal amigo publicar – mas não para o outro, que, apesar de tudo, é também um jornal organizado e funcionando plenamente no mercado.
Ainda que o episódio tenha aproveitamento político e eleitoral, não pode mais ser ignorado nem sua necessária apuração declinada por causa dos seus eventuais desdobramentos espúrios. Para desacreditar a história. O Liberal apelou novamente para a mentira, que atribui ao concorrente e inimigo. Diz que o Diário do Pará fraudou a perícia de Ricardo Molina. Em seu laudo, o perito criminal de Campinas (São Paulo) teria apenas atestado que as vozes eram as do subsecretário e de Izabela, o que nem um nem outro negam. Mas não a inviolabilidade da fita.
Afirma a matéria de O Liberal que “em nenhum momento Ricardo Molina foi questionado sobre a conversa”. O jornal da família Barbalho nem “mostrou a degravação” ao perito.
Essa é uma falsidade completa. O ponto central do laudo foi justamente “o exame de autenticidade”. No seu parecer, o perito diz que examinou a gravação, “de modo a verificar a eventual existência de descontinuidades relacionadas com efeitos de edição ou montagem, assim como qualquer outro efeito acústico que pudesse, de forma geral, estar relacionado com alterações do conteúdo originalmente registrado”.
O método que Molina utilizou “permite observar a eventual existência de falhas, interrupções e outras alterações”.
Ele atesta que não encontrou, “ao longo da gravação periciada, nenhum indicio de manipulação fraudulenta, podendo a mesma ser considerada autêntica para todos os fins periciais”.
Se O Liberal garante aos seus leitores que o jornal dos Barbalho adulterou a gravação, suprimindo o trecho em que Izabel Jatene diz que o “dinheirinho deles” seria para o Pro Paz, agora cabe-lhe provar o que diz, como o inimigo fez. Deve ter outra cópia da fita (ou está blefando).
Ao Estado, quedo e mudo até agora, cumpre explicar onde está o processo policial que investigava o sequestro de um empresário, qual sua posição hoje e como a gravação da conversa entre o subsecretário e a filha do governador deixou de ser sigilosa, por determinação da justiça, foi copiada e depois se tornou pública.
Há imoralidades, ilicitudes, crimes e outras matérias nesta história para que ela não se reduza a um bate-boca primário. Afinal, pode haver dinheiro público (ou “dinheirinho” privado) na trama, desviado para fins nada nobres e, talvez, nunca contabilizados.

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