Para “ajudar” o Haiti de fato, é preciso respeitar o seu povo e devolver a eles o que lhes foi tomado em 500 anos em dinheiro, reflorestamento, desenvolvimento agrícola diversificado e equipamentos.
Por Alejandro Teitelbaum
[28 de janeiro de 2011 - 10h31]
Quando Colombo chegou em 1492 à ilha que chamou La Española (Haiti e Santo Domingo) ele encontrou um verdadeiro pomar ocupado por uma grande população nativa que vivia pacificamente.
Entretanto, desde 1500 começou o desmatamento da ilha para dar lugar aos cultivos dos conquistadores, bem como teve início a eliminação física dos nativos, que foram substituídos por africanos reduzidos à escravidão. Foi assim que, no início do século XXI, os bosques, que no momento da conquista ocupavam 80% do território, foram reduzidos a 2% no Haiti e a 30% em Santo Domingo, com tremendas conseqüências ecológicas e climáticas.
Entretanto, desde 1500 começou o desmatamento da ilha para dar lugar aos cultivos dos conquistadores, bem como teve início a eliminação física dos nativos, que foram substituídos por africanos reduzidos à escravidão. Foi assim que, no início do século XXI, os bosques, que no momento da conquista ocupavam 80% do território, foram reduzidos a 2% no Haiti e a 30% em Santo Domingo, com tremendas conseqüências ecológicas e climáticas.
A primeira República da América Latina e do Caribe e a primeira República negra do mundo
Há algo mais que 200 anos, no dia 1º de janeiro de 1804, a população do Haiti aboliu a escravidão e se proclamou República independente.
A abolição da escravatura no Haiti suscitou medos de que se espalharia o exemplo entre os escravos das colônias europeias vizinhas e também nos Estados Unidos, onde a escravidão existiu até a guerra da Secessão, na década de 1860. Por esse motivo, o Haiti sofreu um largo período de isolamento internacional.
Em 1802 Napoleão, que se propôs a restabelecer a escravidão nas colônias, enviou ao Haiti uma expedição militar de 24 mil homens sob o comando do general Leclerc, que de inicio alcançou algum apoio e até recebeu alistamentos por parte dos haitianos sob a falsa promessa de restabelecimento da escravidão.
Toussaint Louverture, com outra parte dos haitianos, não se deixou enganar e lutaram contra os franceses com desvantagens.
Quando, no entanto, se espalhou a notícia da prisão de Toussaint Louverture, de sua deportação à França e do restabelecimento da escravidão em outras colônias como Guadalupe, os rebeldes reiniciaram com mais força os combates e finalmente derrotaram o exército enviado por Napoleão e entraram em Porto Príncipe em outubro de 1803. As forças francesas, que haviam perdido milhares de homens, entre eles seu general Leclerc e vários outros generais, evacuaram a ilha em dezembro de 1803.
Desde então e até agora os haitianos tiveram que suportar invasões (dos EUA, de 1915 a 1934), ditaduras sob o patrocínio dos Estados Unidos (Duvalier pai e filho, e este último retorno ao Haiti enquanto Aristide está proibido de voltar), golpes de Estados e novas invasões.
Aristide, primeiro presidente do Haiti democraticamente eleito, expulso pelos Estados Unidos e França.
Quando Aristide, o primeiro presidente da história haitiana eleito democraticamente, assumiu o governo no Haiti em fevereiro de 1991, ele propôs aumentar o salário mínimo de 1,76 a 2,94 dólares por dia. A Agência para Investimento e Desenvolvimento dos Estados Unidos (USAID) criticou esta iniciativa, dizendo que significaria uma grave distorção do custo da mão de obra. As linhas de montagem estadunidenses radicadas no Haiti (quer dizer, quase a totalidade de linhas de montagem estrangeiras) concordaram com a análise da USAID e, com a ajuda da Agência Central de Inteligência, prepararam e financiaram o golpe de Estado contra Aristide em setembro de 1991 (2). Como a reação internacional (o embargo) e o caos interno paralisaram a produção das empresas estadunidenses no Haiti, as tropas do país restabeleceram Aristide no governo em 1994 e asseguraram simultaneamente a impunidade e um recuo confortável aos chefes militares golpistas.
As forças armadas dos Estados Unidos, que intervieram no Haiti com o aval do Conselho de Segurança da ONU, se apoderaram da documentação referente às violações dos direitos humanos cometidas pela ditadura militar e provavelmente das provas de intervenção da CIA no país. As autoridades dos Estados Unidos continuam retendo a dita documentação, apesar das várias reclamações a este respeito feitas em diversas ocasiões.
Em 2004 se repetiu o cenário de 1991, com Aristide, que havia sido reeleito em 2001, politicamente desprestigiado, sitiado economicamente pelos Estados Unidos e asfixiado pelo Fundo Monetário Internacional. Desta vez a expulsão de Aristide foi orquestrada pelos Estados Unidos tendo a França como segundo violino e legitimada pelo Conselho de Segurança após o ocorrido. Aristide teria, além de tudo, imprudentemente reclamado à França a devolução da “indenização” que o Haiti havia pago no século XIX, estimada atualmente em 21 bilhões de dólares.
De fato, a França cobrou o Haiti por sua independência
Em 1814 a França exigiu do Haiti uma indenização de 150 milhões de francos-ouro, que em 1838 rebaixou a 90 milhões. Foi só quando o Haiti aceitou a exigência que a França passou a reconhecê-lo como nação independente, recebendo as quotas da indenização que o Haiti terminou de pagar em 1883.
Logo após a queda de Aristide em 2004, reuniu-se em Washington uma “Conferência de Doadores”. Um ano depois, daqueles 1 bilhão e 80 milhões comprometidos durante a dita Conferência, haviam chegado ao Haiti somente 90 milhões, metade dos quais eram destinados à organização das eleições.
A MINUSTAH (Missão de Estabilização das Nações Unidas no Haiti) criada pelo Conselho de Segurança da ONU em 30 de abril de 2004, usando como pretexto a proliferação de criminosos armados, realizou verdadeiros massacres em Cité Soleil, o bairro mais pobre de Porto Príncipe e reduto principal dos partidários de Aristide. Os massacres ocorreram em 6 de julho de 2005 e nos dias 16, 22 e 28 de dezembro de 2006, e utilizaram metralhadoras pesadas, cujas balas atravessavam de um lado a outro as miseráveis casas, como se fossem de papel.
O Terremoto
Diversas instituições (Médicos Sem Fronteiras e outras) denunciaram que a implantação das forças militares estadunidenses no país impediu a ajuda sanitária urgente dos primeiros momentos.
Em 21 de janeiro, Françoise Saulnier, diretora jurídica do MSF, informou que cinco pacientes faleceram no centro médico instalado pela instituição. Saulnier me disse: “A cirurgia é uma prioridade urgente em tais catástrofes. São os três primeiros dias para retirar toda a gente dos escombros, mais os três dias seguintes para executar todas as intervenções cirúrgicas e depois vem a comida, o abrigo, a água. Tudo se misturou, a atenção à vida da gente se atrasou de tal maneira que a logística militar, que poderia ser útil no quarto dia ou mesmo no oitavo, correu e lotou o aeroporto”. Segundo Saulnier, os três dias perdidos criaram graves problemas de infecção, de gangrenas e os obrigaram a realizar amputações que poderiam ter sido evitadas.
O papel do Conselho de Segurança.
O Conselho de Segurança da ONU, que se reúne em menos de 24h quando o tema interessa às grandes potências, tardou uma semana em se reunir e adotou como única decisão aumentar o contingente da MINUSTAH a 8.940 militares e 3.711 policiais.
Quando, em setembro de 2009, discutiu-se no Conselho de Segurança a prorrogação do mandato da MINUSTAH, vários diplomatas levantaram a necessidade de dar uma nova orientação à dita Missão. O representante da Costa Rica disse que os haitianos precisam mesmo é de um futuro melhor, e, para poder comer, contar com um setor agrícola dinâmico. Perguntou-se por que prosseguir a enormes custos com a militarização da MINUSTAH e a reconstituição das forças armadas se o Haiti não é objeto de nenhuma ameaça exterior. Disse também que era urgente superar o obstáculo que é o regime de propriedade da terra.
No entanto, a MINUSTAH continuou com a mesma orientação majoritariamente militarista.
Atualmente existe no Haiti uma força militar quase equivalente, em proporção à população e ao território, às forças armadas despendidas no Afeganistão e Iraque.
O aumento do salário mínimo como detonador?
O salário mínimo no Haiti estava fixado desde maio de 2003 em 70 gourdes por dia, isto é, 1,75 dólares, o mesmo salário em dólares que havia em 1991, quando Aristide quis aumentá-lo para 2,94 dólares. Em 2007 produziu-se no Haiti um enorme processo inflacionário que afetou os preços dos produtos básicos. Levando em conta esta dita inflação, o salário mínimo industrial deveria situar-se entre 550 e 600 gourdes diários. Depois de dois anos de discussão, o Parlamento haitiano aprovou em abril de 2009 um aumento do salário mínimo a 200 gourdes, ou seja, algo menos que 5 dólares diários. O presidente da República e o governo haitiano se recusaram a ordenar a promulgação da nova lei.
Foram organizadas grandes manifestações de estudantes e trabalhadores exigindo a promulgação da lei, e estas foram violentamente reprimidas pela polícia haitiana e pela MINUSTAH.
Finalmente em agosto de 2009 se fixou o salário mínimo em 150 gourdes diários (uns 3,50 dólares)
Totalmente insuficiente para viver, porém inaceitável para as empresas.
Talvez este aumento do salário mínimo possa explicar, pelo menos em parte, a ocupação das Forças Armadas dos Estados Unidos no Haiti. Como foi o caso com o golpe militar de 1991. (4)
Roubo e apropriação de crianças
O Haiti tem uma larga história de roubos de crianças, adoções ilegais, além de bem fundamentadas suspeitas de tráfico de órgãos de crianças.
Depois do terremoto foram constatadas numerosas transgressões ao “interesse superior da criança”: o roubo de menores, a aceleração dos procedimentos de adoção e a expatriação de crianças com fins alegadamente humanitários.
Tudo isto violando a Convenção dos Direitos da Criança, a Convenção sobre a Adoção Internacional, as Diretrizes do Escritório do Alto das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) sobre a proteção das crianças em caso de conflitos armados ou catástrofes naturais, e também as recomendações da UNICEF. O ACNUR e a UNICEF sustentam que, em circunstâncias como as que o Haiti atravessa, é necessário PARALISAR os processos de adoção, e não iniciar novos, não se pode usar indevida e abusivamente a classificação de “órfãos”, mas sim de “menores desacompanhados” até que se saiba com certeza o que ocorreu com seus pais e sua família próxima. E insistem que não se pode expatriar as crianças, para evitar que, além do trauma da catástrofe, sofram o trauma da separação abrupta de seu ambiente habitual e da ruptura de todos os laços familiares.
Depois do terremoto a Holanda levou 109 crianças do Haiti, que, aparentemente, já se encontravam em processo de adoção, os EUA levaram 53 crianças a Pittsburgh “para melhorar seu estado de saúde”, ainda que informações assegurem que eles facilitarão os processos de adoção por casais que atendam aos requisitos. Devemos entender que estas 53 crianças nem sequer estavam em um processo de adoção. A França expatriou mais 120, ao que parece como resultado de uma “aceleração” do processo de adoção.
Segundo uma porta-voz da UNICEF, Véronique Taveau, a política do organismo internacional é conseguir a reunificação da família a todo custo e neste sentido expressou sua preocupação pela decisão de alguns países em acelerar os trÂmites de adoção. Inclusive quando o trâmite da adoção estiver terminado. “As Autoridades centrais de ambos Estados assegurarão para que o deslocamento se realize com toda a segurança, em condições adequadas, e, quando for possível, em companhia dos pais adotivos ou dos futuros pais adotivos”, como indica o artigo 19 inciso 2 da Convenção sobre a Adoção Internacional. Quer dizer que em circunstâncias tão dramáticas quanto estas, os pais adotivos deveriam ir buscar a criança adotada e não simplesmente esperá-lo no aeroporto de chegada.
Em suma, não se trata de “ajudar” o Haiti (de fato, as promessas de doações se fizeram efetivas em uma mínima parte) senão de respeitar o seu povo (entre outras coisas, que seja o povo haitiano e não a OEA e a ONU que elejam as autoridades haitianas) (5), de devolver a eles o que é possível devolver de tudo o que lhes foi tomado em 500 anos.
Devolver-lhes em dinheiro, em reflorestamento, em desenvolvimento agrícola diversificado, em equipamentos, em reconstrução, em material sanitário etc.
Fonte: Revista Forum
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